É o livro destaque de julho, entre 20 títulos
Atendendo a uma de suas funções sociais, a UENP disponibiliza vários livros – alguns de suas próprias produções científicas, outras de cunho literário nacional – para download gratuito. Os títulos são bastante abrangentes, e procuram despertar o interesse do leitor nas áreas educativa, literária, histórica e documental.
O destaque do mês de julho
Este mês destacamos o livro-documento "64: Afinal, que ditadura foi aquela?", de Ataíde Cuqui que além de jornalista e radialista, foi músico de sucesso e apresentador de programas na TV Vanguarda de C. Procópio. O livro teve 1.844 downloads desde sua publicação online em janeiro de 2018, e continua sendo muito baixado de nossa Estante Digital.
Mas qual a estrutura do livro? Nas palavras do autor: "Meu relato é feito de forma jornalística, sem intenção de contestar o que foi dito pelas pessoas que ouvi. Conto o que vi e o que vivi. E, mesmo que intrinsecamente, também manifesto meu ponto de vista."

"Ditadura, Revolução, Golpe, ou seja lá qual for o chamamento desse triste episódio, tem neste livro um verdadeiro documento, talvez nunca contado em outras obras com tanta riqueza de detalhes e tão revelador do que ocorreu nos bastidores da comunicação social, há 51 anos."
O amigo Ademir Balera declara: "Dos protestos de 1964 à magia de uma época que se transformou em saudosismo, este livro conduz o leitor a uma viagem fascinante pelos anos da ditadura vividos pelo jornalista Ataíde Cuqui."
A seguir, um trecho dessa "viagem fascinante" apresentado pelo condutor Ataíde Cuqui. Então, boa leitura!
P.S.: Este livro está disponível para download gratuito aqui, na Estante Digital da UENP.
Estávamos em meados dos anos setenta, 1976 para ser exato, e após conseguir o primeiro lugar em um concurso público da Secretaria da Agricultura do Paraná como assistente administrativo minha vida profissional ganhou novo rumo. Embora fazendo ainda algumas gravações para o rádio, participei, ao lado de outros colegas que também entraram por meio de concurso, da instalação do Núcleo Regional do órgão, no final da Avenida Minas Gerais. Trago esse orgulho comigo, mas, com ele, também a mágoa de ter sido deposto do cargo por sórdida armação. Tendo no currículo o curso de Técnico em Contabilidade e formação universitária, não foi difícil absorver as atividades burocráticas que o novo trabalho exigia.
Entre as tarefas do núcleo — onde era responsável por toda a parte financeira e controle de viaturas — recebi também a incumbência de operar o telex, que chegava à repartição como a grande inovação no sistema de comunicação por poder retransmitir mensagens e até conversar ao vivo, com o uso de textos, com o mundo inteiro. Consistia numa rede mundial, com um plano de endereçamento numérico e terminais únicos, que poderia enviar uma mensagem escrita para qualquer outro terminal. Uma das particularidades deste sistema, ao contrário do que acontece com outros sistemas de comunicação de mensagens escritas atuais como o fax, o e-mail ou o whatsapp, era a garantia de entrega imediata com autenticação dos terminais. Alguns países ainda utilizam o sistema até hoje.
Como um dos primeiros profissionais da cidade a operar a máquina recém-chegada, por força e determinação da chefia do núcleo, diretamente ligada ao Governo do Estado, acabei tendo que prestar serviço ao governo militar, com envio ao exército de relatórios com nomes de políticos e empresários locais que, supostamente, estariam conspirando contra o regime. O texto chegava pronto, com muitos códigos, que nunca procurei entender, porque fazia aquilo quase que mecanicamente. Perceptíveis mesmo para mim somente os nomes que eram enviados para apreciação do comando. Como a máquina era uma das primeiras, ainda não tinha memória eletrônica. As mensagens eram pré-gravadas mecanicamente, usando-se uma fita de papel especial perfurada, e depois transmitida. Como o funcionamento era por meio de linha telefônica, com pagamento baseado no tempo utilizado para o envio do texto, a gravação antecipada reduzia o tempo de transmissão.
As mensagens recebidas eram impressas em bobinas contínuas de papel. Vale ressaltar que, além do nome dos cidadãos que constavam no relatório como acusados, apareciam também nomeados os chamados "dedos-duros", isto é, os que apontavam aqueles que, supostamente, se manifestavam contra o regime. Meu trabalho se resumia em gravar a fita que, após ser transmitida ao destinatário, era cuidadosamente enrolada, presa por um clipe e entregue ao militar que era o comandante do Tiro de Guerra local. Claro que seu comando seguia a cartilha do comando geral, mesmo sem usar de violência ou praticar as atrocidades dos grandes centros, como se sabia por aqui.
Contou-me também o professor Altevir que, no final do anos 80 e começo de 90, ele praticava natação na piscina de Sandro Sottile, assim como Ovídio Amaral dos Reis, aposentado do fórum local. Num dos dias de prática, ouviu dele que no dia do golpe estava servindo como garçom quando foi apanhado e levado para a sede do Tiro de Guerra, onde encontrou diversas pessoas da sociedade local e das mais diversas profissões. Ficaram algum tempo detidos até a chegada da presidente da Liga das Senhoras Católicas com uma lista de nomes. Pelo que comentava, seu Ovídio teria falecido com o sentimento de nunca ter tido explicação para essa arbitrariedade.
Outra caso, vem do empresário e agricultor Floriano Leite Ribeiro, na época membro da Arena II — Aliança Renovadora Nacional, partido do Senador Teotônio Vilela antes de ingressar no PMDB, em 1980. Floriano ocupava uma cadeira na Câmara de Vereadores e conta que certa vez ouvira comentários de que a Polícia Federal poderia a qualquer momento convocar para depor alguns de seus colegas, como Ruy Sampaio — um dos maiores opositores ao Regime Militar —, José Lagana, Gino Azzolini e outro, de quem não lembra o nome.
Como eram do MDB, declaradamente contra o regime militar, eles próprios tinham a informação através de boato que corria na cidade de que poderiam ser ouvidos sobre suas posições. Diante disto, como tínhamos um bom relacionamento, independentemente das posições partidárias divergentes, me dispus a ir para a câmara e durante a sessão de terça-feira, no período reservado ao Grande Expediente, 'meter um sarrafo' na revolução para que me enquadrassem também como dissidente. Assim, se eles fossem recolhidos ou enquadrados para algum inquérito, eu iria também, até por uma questão de posições iguais. Como eu tinha meus meios de sair, poderia tirá-los também. Mas, acabou não acontecendo nada. Fiz meu discurso inflamado na câmara contra o regime e, apesar de algumas pessoas suspeitas permanecerem rondando o prédio, acabei não recebendo nenhum tipo de ação policial, conclui Floriano.
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